Situação piora com a idade. Ensinar os profissionais de saúde a comunicar com os doentes é fundamental. “Os médicos passam seis anos na faculdade a aprender a falar ‘medicalês’ e aprendem cerca de seis mil termos novos diferentes. Quando acabam o curso já não sabem falar com as pessoas”, diz investigadora.
Se comer toda a embalagem de gelado quantas calorias está a consumir? Se lhe for permitido consumir 60 gramas de hidratos de carbono numa sobremesa, que quantidade de gelado pode comer? Estas são duas das seis perguntas que, acompanhadas de um rótulo fictício de gelado, compõem o Newest Vital Sign (NVS), o teste utilizado pela médica Dagmara Paiva e outros cinco investigadores para avaliar o nível de literacia em saúde dos portugueses. Conclusão: estima-se que 73% da população portuguesa entre os 16 e os 79 anos não saiba responder correctamente a questões como estas e que, por isso, tenha dificuldade em aceder, compreender e utilizar informação sobre saúde.
A situação piora com a idade. E, como seria de esperar, quanto menor for o nível de escolaridade, menos competências. Dados: na população entre os 16 e os 44 anos, a proporção daqueles que mostram níveis de literacia inadequados oscila entre os 62% e os 65% (as estimativas têm um intervalo de confiança de 95%). Essa percentagem vai aumentando e, na faixa etária entre os 65 e 79 anos, corresponde a 94% da população. Quanto ao nível de escolaridade, entre os que têm menos do que o 4.º ano, 97,5% têm um nível de literacia em saúde inadequado. Já entre a população com pelo menos uma licenciatura completa essa proporção desce para 44,5%.
“Pessoas com mais de 64 anos têm 21% maior probabilidade de ter limitações do que quem tem menos de 25 anos”, detalha ainda o estudo publicado no final de 2017 na revista Acta Médica Portuguesa e que faz parte da tese de doutoramento que Dagmara Paiva apresentou na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto em Dezembro de 2018 (o foco principal da tese é a literacia nos cuidados aos doentes com diabetes tipo 2, mas a médica apresenta vários estudos de contexto). Já para quem tem um curso superior, a probabilidade de ter mais dificuldades em compreender conceitos sobre saúde é 50% inferior à de quem tem menos do que o 4.º ano. Não há diferenças de género.
Esta metodologia não avalia directamente a forma como os pacientes compreendem as informações que lhes são dadas em contexto clínico. Mas Dagmara Paiva explica que pode dar algumas pistas. “A penúltima pergunta do NVS é: ‘Suponha que é alérgico à penicilina, amendoins, látex e picadas de abelha. É seguro para si comer esse gelado?’. Aí a pessoa tem de conseguir perceber que um dos ingredientes do gelado é o amendoim e que não pode [comê-lo] e porquê. Dá para ter uma ideia de como é que são essas competências de uma pessoa em particular.”
O pequeno questionário foi aplicado em 2012 no âmbito de um inquérito nacional que tinha como objectivo perceber o grau de conhecimento da população sobre problemas como obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares, cancro e sobre comportamentos saudáveis. A amostra, representativa da população portuguesa, tinha 1624 pessoas. Entre os entrevistados, 79 não sabiam ler nem escrever, pelo que foram excluídos da análise. Sobram 1544 indivíduos na amostra final. Se a população que não sabe ler nem escrever fosse incluída nas estimativas nacionais então o nível de literacia inadequada em saúde seria ainda maior: 74,5%.